O mundo a várias velocidades - I

O cartoon - "Bartoon" - do jornal Público de hoje brinca com o facto de uma aldeia no concelho do Sabugal ter banda larga wireless de graça e ainda não ter saneamento básico. O bartender conclui com a tirada: "O Século XXI já chegou, pode ser que um dia destes chegue o século XX..."

O século XXI tem aquela aura de símbolo de uma era de modernidade que não sabemos bem caracterizar, mas que encerrará em si uma perfeição que todos desejamos chegue depressa, de preferência sem fazermos grande coisa por isso. É porque nalgumas coisas e em alguns lugares, ainda dizemos e nos queixamos de que ainda estamos na Idade da Pedra, ou na Idade Média - e será mesmo no essencial: na mentalidade, nos valores.

E vai-se a ver, acontece aterrarmos no século XXI sem termos base de sustentação. Sem aura, sem modernidade. De que serve uma aldeia ter banda larga grátis ? Têm os habitantes meios e conhecimentos para dela tirar partido ?

É uma questão de prioridades. E, no entretanto, há umas mais prioritárias do que outras. Mas fazer o saneamento básico dá muito trabalho. Muito mais do que colocar uns retransmissores wireless nos candeeiros da aldeia. Estudos de engenharia, escavações, maquinaria pesada, construção de estações de tratamento de águas, e depois é lidar com cócó. O digitalizado século XXI não se compadece com cócó. É melhor passar à frente, que é como quem diz, por cima. Sem olhar, de preferência.

Pela capital, a muito custo, lá começaram as obras para tirar as fezes de cem mil cidadãos das águas do Tejo, onde o Professor Marcelo provavelmente não teria dado um mergulho caso soubesse disto. Eu não sabia. Sempre pensei que, em Lisboa, pelo menos neste domínio, já estaríamos em meados do século XX.