1 de outubro de 2009

Cenas de um casamento

O que há para dizer sobre casamentos ? Muita coisa, mas eu vou dizer pouca.

Não detesto casamentos, mas se pudesse esquivar-me, esquivar-me-ia. Do meu vou com toda a boa certeza esquivar-me, a não ser que seja algo de muito bem pensado e especial.

Hoje dá-me a impressão que muitos jovens se casam porque querem ver no que é que dá se se casarem, algo que não podiam averiguar caso não se casassem. Pois.

Outros porque é a única saída brilhante que se lhes afigura para conseguirem sair de casa dos pais.

Se perguntarem aos noivos porque é que se casam, hoje em dia diz-se que é por amor e não por interesse. Ora, se no tempo dos reis o interesse correspondia a algo de objectivo e racional, facilmente quantificável e verificável, casar por amor é o equivalente a ter fé no Benfica ou coisa parecida. Os sentimentos de amor são voláteis e a estatística, aliada a uma lei que permite o fluir dos sentimentos e correspondentes tomadas de acção, não mente.

Mas eu queria era mesmo falar da cerimónia. Perguntem novamente aos noivos se todos os preparativos não são uma canseira e aquilo não dá um stress maluco para ficar tudo pronto a tempo.

São os convites, as provas do vestido, a escolha do sítio para o copo de água, a ementa, a viagem, os convidados, as mesas e os nomes parvos que as ditas ostentam ao centro, a decoração da igreja, se a cerimónia for religiosa, a decoração do espaço onde vai decorrer o copo de água, o artista que vai tocar músicas foleiras no órgão electrónico e o reportório de músicas ainda mais foleiras que alguns convidados mais desinibidos (leia-se ébrios) vão cantar no karaoke, e por fim as danças em comboio que os convidados vão protagonizar, que é a única forma de pôr malta que não dança a mexer-se.

Dia do casamento: noiva fotografada a olhar pela janela. Noiva ao lado da cómoda. Ao lado da mesa de cabeceira; noiva em cima da cama (devidamente vestida); noiva na sala de estar junto ao "móvel grande"; noiva com os pais, noiva com os irmão e irmãs. Noivo que faz coisa parecida numa casa não muito distante.

Passemos agora a protagonizar o dito enquanto convidados: chegamos, temos uma conversa de chacha com alguns familiares que não vemos há meses ou mesmo anos e com os quais não sabemos conversar por mais de cinco minutos sem que a coisa comece a parecer patética, depois enfiam-nos numa igreja, qual filme prestes a começar.

Ainda só fui a uma cerimónia civil, portanto a minha experiência é de igreja. Uma hora de missa! Houve uma vez uma noiva "rebelde" que acordou com o padre (não literalmente) que a missa não podia durar mais de meia hora! Olé. Durante a missa os noivos prometem aquilo que o mais das vezes não podem cumprir, dizem que renunciam a Satanás e coisas que tais; por vezes o padre lá se lembra de contar uma anedota (ponto alto num sismógrafo adormecido) e depois saímos todos ao som de um órgão ou uma flautas ou um coro. Arroz, quiçá um calhambeque para a pose e após mais fotos e cavaqueira de quem já se queixa do sapato apertado, seguimos em caravana para o sítio onde se vai comer.

Croquetes, tostinhas com coisas desconhecidas, suminho de laranja, espumante, rissol, presunto, conversa de chacha sobre o local esplendoroso que os noivos escolheram; ver se estamos na mesa das betúnias ou das grandes descobertas do século XX, sentarmo-nos e começara enfardar como se não houvesse amanhã até às cinco da tarde non-stop. Entrada, sopa, prato de peixe, prato de carne, "quer mais uma batatinha ?", sobremesa, café, levantar, ir às outras mesas saber que está mesmo tudo bem e que está tudo mesmo bem e.. mesmo bem. Conversa e mais conversa. Alguma interessante com as pessoas que contam.

Mesa de queijos, mesa de fruta, mesa de sobremesas, mesa de sapateira e afins da lagosta. Todas aquelas coisas musicais foleiras que citei lá para cima. Bolo dos noivos algures neste enredo. Brinde com champanhe, noivos entrelaçam o copinho para convidado ver e "para mais tarde recordar, turum!" Agradecem a presença dos convidados. Oferecem uma lembrança "para mais tarde recordar, turum".

Entretanto o fotógrafo já tem a tenda montada com todas as poses possíveis e imaginárias, prontas a ser encomendadas por um preço MUITO acessível, prontas a ser enviadas pelo correio quando já nos tivermos esquecido do nome dos noivos, num envelope convenientemente amarrotado pelos CTT, apesar das letras garrafais a alertar para o conteúdo.

Caldo verde; noivos se forem pelo menos espertos, piram-se dali para fora cedo, mas já depois de terem o carro pintado de cinco cores diferentes e com umas coisas penduradas, ideia de uns convidados muito imaginativos.

A noite de lua de mel é de cansaço. Os noivos, que se forem pessoas previdentes já sabem como são na cama, portanto a noite não é uma espécie de roleta russa, estão mais cansados do que se tivessem tido uma reunião de trabalho com o chefe mais cansativo do mundo, seguida de uma escalada da parede exterior do edifício onde se trabalha.

Os noivos vão mas é dormir. Os convidados ficam a imaginar que eles se vão dali mas é para se divertirem à grande (grandes marotos hihi), mas como isso não pode ser sem uma praxezita, com alguma sorte conseguiram saber onde é o local de pernoita e foram lá coser os lençóis e colocar açúcar ou sal na cama dos coitados que querem é dormir.

FIM


Ah e tal, mas o que conta são as pessoas. E cada casal é um casal, têm a sua personalidade. Não, meus amigos, cada casal é um casal, mas no fim de contas os noivos submetem-se a um conjunto de regras pré-definido tão exaustivo que todo e qualquer traço de personalidade se esbate numa escolha de catálogo. Os noivos acabam por entrar no sistema, protagonizando um filme em tudo igual a todos os outros. Tentem lembrar-se de todos os casamentos a que já foram na vossa vida. Não parece uma repetição de cenas ?

Eu só vou a casamentos por causa de algumas pessoas que quero reencontrar e com quem consigo falar. O resto é paisagem. E comida bastante razoável, justiça lhe seja feita.

4 comentários:

Lita disse...

O Dia do Casamento, tal e qual como o descreves (para quem nunca passou pela experiência estás a par de todos os detalhes - tomaram muitas noivas um noivo tão bem informado!), só passa por ele quem quer, obviamente! É um conjunto de costumes, é um ritual... Passei por tudo isso,com uma ou outra diferença, há 14 anos e não me arrependo de nada. Foi muito cansativo, tanto os preparativos como o próprio dia, mas vivi tudo a 100% e com muita felicidade à mistura.Foi um dia único e irrepetível.Sempre gostei e continuo a gostar de ir a casamentos... e que o Homem não separe o que Deus uniu!~
Não achas Meireles?!!!

Guida Palhota disse...

E ias tu dizer pouca coisa, hein!
Ora bem... se calhar, também me aventuro.

Para início de conversa, esquivo-me mesmo dos casamentos de pessoas pouco íntimas! Portanto, quando me dou ao imenso trabalho familiar em prol da comemoração alheia é, seguramente, porque espero sentir-me em festa com pessoas de quem gosto. Não devia era ser necessário alguém casar-se (ou alguém morrer, ou alguém ser baptizado) para se tornar possível privar durante alguns minutos, de anos a anos, com certas pessoas.

Continuando a conversa, achas mesmo que os jovens se casam "porque querem ver no que é que dá se se casarem"? Para isso, não bastaria juntarem-se? Mais tarde, até poderiam vir a casar-se...
E achas que os jovens são tão pouco imaginativos e empreendedores que não conseguem vislumbrar outro modo de sair de casa dos pais? Não me parece. Sair de casa dos pais implica ter algum arcaboiço financeiro e isso não é diferente quer a pessoa se case quer se junte. Ou é? Será que se os jovens se juntarem, os progenitores ficam tão zangados que não ajudam nada? E será que se portam de forma oposta se o casamento acontecer?

E, continuando a continuação, essa de casar por amor ser equivalente a ter fé (seja no que for) não posso deixar passar. Fé?!... Desde quando é que o amor é uma questão de fé?! Bem, bem... Quem ama tem um trabalho de construção árduo mas muito aliciante pela frente. A questão não está em ter fé; está em querer ou não dar-se ao trabalho que o investimento exige. Há muito egoísmo e preguiça por aí e depois vêm dizer que não deu e tal, que ele ou ela eram insuportáveis (quanto a isso, convém haver investimento prévio; a escuridão não deixa ver as imperfeições, quanto mais limá-las)...

Quanto à cerimónia, comento só algo da tua apreciação final: se o arroz simboliza mesmo a expressão de um desejo de fartura, não estará a começar-se mal ao desperdiçá-lo? E até já sei que muitas das pessoas que vão ao cabeleireiro encarapuçar-se ficam fulas por sentirem o arroz espalhadinho no interior das carapuças!

Sobre a festa da comezaina, a chatice é que tudo se centra na própria e não no convívio - pois as pessoas são tantas que o local, por muito grande que seja, se torna encolhido, oferecendo sensações de claustrofobia, e porque a distribuição dos convivas pelas mesas nem sempre favorece o bem-estar social... Comida chega a haver em excesso, mas não para terminar à hora que referes. Essa é muito mais vezes a hora em que se começa a "multirrefeição". Porque fotografias dos noivos com duas centenas e meia de pessoas demoram algum tempo a conseguir...

É certo que durante esse tempo se podem trincar uns aperitivos, mas é um tempo em que a malta está de pé, as senhoras com as malinhas, as mais afoitas de malinha e máquina fotográfica, registando de sua lavra... e torna-se difícil conjugar registos com conversas de circunstância, intimidades há muito desejadas e trincadelas em rissóis e cogumelos enrolados em bacon.

Os noivos lá andam, anestesiados e pensando pouco, pois já pensaram muito até ao dia, e nem têm noção de que, para eles, a festa acabará com a entrada em sono profundo ainda antes de o corpo ter acabado de cair sobre a cama...

Casamentos? Mais vale perdê-los do que achá-los!

Aníbal Meireles disse...

Lita: obrigado pelo reconhecimento sobre os detalhes - espero que alguma moça bem informada à procura de moço bem informado se decida informar sobre o moço bem informado lolol.

Quanto a ser um ritual, sim senhora, pois é, mas é um ritual bastante parvo. É justamente por ser um dos dias mais importantes da vida nos nubentes que os mesmos se deviam aplicar mais e fazer algo o mais original possível e não se submeterem à rotina - é que mais do que um costume, um ritual, aquilo é uma rotina, repetida vezes sem conta por noivos aqui e ali.

Quanto à tua última frase, pois que não posso concordar, mas pelos teus pontos de interrogação e exclamação presumo que já tenhas percebido que sou Agnóstico às segundas, quartas e sextas e Ateu às terças quintas e sábados. Nos domingos não penso sequer no assunto!

Aníbal Meireles disse...

Guida: pois ia, pois ia. Mas já sabes como sou, sinto a necessidade de esmiuçar, relatar, caracterizar, e não o consigo fazer em tão poucas palavras como desejava. Mas olha que tu também te aventuraste bem nisto rapariga! :D

Quanto a reuniões familiares, tens toda a razão; as pessoas andam tão metidas na sua vida que se esquecem de que uma das coisas mais importantes que têm é a família. E nas famílias em que as pessoas até nem se dão particularmente mal (LOL), até nem há grande motivo para evitar os encontros, para além da habitual inércia. Perde-se muito quando temos familiares interessantes. E se não os conhecermos minimamente, acabamos por não chegara saber se o são ou não.

Quanto aos jovens se casarem para ver no que é que dá , tenho a acrescentar que falo também, e talvez até principalmente, de jovens que até já vivem juntos e que decidem dar o passo para ver se a coisa resulta.

Quanto aos que se casam para sairem de casa dos pais, parece-me que, por um lado, aos que podem 'sacar' uma alavanca financeira aos pais, há os que o fazem; por outro, em algumas zonas mais conservadoras do país é bem capaz de os pais não ajudarem se não houver casório de papel passado, ainda que tudo não passe de uma certa trafulhice moral.

Se casar por amor é como ter fé no Benfica ? Claro que não é, estava a brincar, mais vale casar por amor do que ter fé o Benfica; sempre é mais certo :D

Mais a sério, concordo com tudo o que dizes sobre o investimento necessário - o amor não é propriamente um passeio no parque - são vários - e com direito a piquenique :D, mas, - há sempre um mas - o que eu quero dizer é que por mais investimento e construção, e que é certamente aliciante, que se faça, o certo é que do outro lado está um ser humano, com qualidades, defeitos, e autodeterminação, e tanto nós podemos mudar, como a outra pessoa pode mudar e pode deixar de haver amor por parte de ambos ou por parte de um. E se por vezes é pura parvoíce, noutros casos o amor pode ter seguido por outro caminho, e não vale forçar a barra. Como diz a música do Sting "If you love somebody set them free".


Ai o Arroz! Olha que eu achava que aquele ritual era só parvoíce. Afinal há simbolismo à mistura ? E olha que eu também sei de pessoas que ficam fulas heheheh :D

O noivos escolherem quem se senta onde ? Pois, se fossem as próprias pessoas podia haver desaguisados, assim há desaguisados menos acentuados, afinal foram os noivos que escolheram... que tal uma votação por e-mail com uns meses de antedecência.. cada um escolhia e depois os noivos organizavam de acordo com as preferências de todos.

Ah sim, comezaina a começar em vez de terminar às cinco, bem sei o que isso é! Só demonstra a relativa bonomia (para não dizer ingenuidade) com que eu, apesar de tudo, ainda encaro as festas de casamento. Vir falar mal das festas? Eu ? Onde ? LOLOL

Porque é que os noivos não fazem as fotografias a seguir à refeição ? "Ah e tal, é porque senão depois os convidados já tiraram o casaco, a gravata, já estão todos com a roupa a precisar de ser engomada."

Então e que tal tirar fotografias com pessoas que estão cheias de calor porque a gravata aperta, as senhoras que têm saltos altos e bem preferiam ter estado sentadas um bocadinho, e no fundo todos com cara de fome. Hã, que belas fotografias!

Beijo