Ora bem, o prometido é devido, embora tal como a justiça, o tempo seja um conceito muito vago para a minha pessoa e características volitivas.
Dito isto, coloco aqui os comentários que ficaram sem resposta como auxiliar de memória, seguidos da respectiva resposta.
Por ordem de chegada:
"Lady Godiva disse...
Olá, Aníbal!
Ainda ontem à noite me deliciei com os "Gatos" "a analisarem os sufrágios".
Mas, agora que chego aqui e leio os comentários, assaltam-me algumas dúvidas:
1. Será que toda a gente entende aquilo que eles dizem?!...
2. Será que o que eles fazem é discordar sem ofender, sem magoar, sem chocar ninguém?!...
3. Será que a crítica cerrada, ostensiva a que eles se dedicam tem como nobre objectivo melhorar os relacionamentos entre as pessoas?!...
4. E será que essa crítica mordaz não é deliberada?!...
5. Será que os humoristas não deviam estar neste mundo, se por acaso eles desrespeitam e desconsideram o outro?!... Ou eles não fazem isso?!...
6. Será que os humoristas ofendem ou, por serem humoristas, gozam de um estatudo especial que lhes permite atingirem os outros da forma mais ridicularizadora possível, algo intolerável no comportamento de um "não humorista"?!...
7. Serão os inúmeros visados pelos humoristas gente que sente que, por ter sido ridicularizada, se tornou impossível a saudável convivência entre as pessoas e que a vida já não pode fluir e perdeu o sentido?!...
Será?
Eu andava convencidíssima do contrário, até porque vi alguns visados submeterem-se à "brincadeira", que eles sabem bem que consiste em manifestação livre de opiniões "corrosivas" a propósito de palavras e actos seus...
Olha, eu estou com os "Gatos", sei de muita gente que os considera geniais (mais o Ricardo, claro) e só tenho pena de não ter dotes humorísticos, para poder ser aceite, mesmo quando não fosse entendida!!!
É que os "Gatos" não prejudicam ninguém, não saem por aí aos tiros nem coisa que o valha... Portanto, onde é que está o desrespeito? Eles até "deixam" que os visados repliquem!...
E será que os "Gatos" e outros que tais não poderão até estar a contribuir para a consciencialização de certos erros e vícios que, se nunca forem apontados (seja de que maneira for), poderão agudizar-se cada vez mais?
Eu defendo a liberdade de expressão e o diálogo. Portanto e por exemplo, digam o que quiserem sobre mim (se for mesmo sobre mim e dirigido a mim!), que eu retorquirei, directamente e a propósito.
E, por tudo o que explanei, é óbvio que sinto que tanto o Saramago como Abdool Vakil têm direito a expressar as suas opiniões. Aquilo que declararam não passa pela minha ideia como desrespeito, embora eu me coloque claramente do lado de Saramago, pois parece-me que não há nada que retire validade à sua opinião, enquanto Abdool teve a infelicidade de dizer que respeita porque acredita...
Na perspectiva de Abdool, meus amigos, adivinhamos que ele não respeita tudo e todos; só respeita aquilo e quem passa no seu crivo!
Concordo contigo quando insinuas que se causarmos dano a alguém não estamos a respeitá-lo, mas opinar antagonicamente não é causar dano. Pelo contrário, pode até ser enriquecedor, se o outro lado estiver à altura de debater as divergências.
A vida parece-me ter tanto mais sentido quanto mais nos manifestarmos pessoas diferentes umas das outras, com ideias e ideais diferentes e opostos, dispostas a enriquecermos os nossos seres incompletos e imperfeitos. Sobretudo e essencialmente se, para os nossos pontos de vista tivermos argumentos consolidantes..."
RESPOSTA:
Lady:
sobre as questões que levantas sobre o esmiuçar dos Gatos, tenho a dizer-te o seguinte:
1. Não me parece que entendam todas, mas os destinatários finais das críticas que estão ali explícitas ou implícitas, parece-me que sim, embora nem toda a gente perceberá todos os significados possíveis de ali serem encontrados, e muitas vezes me questiono se os próprios autores estão conscientes dessa multitude de interpretações quando escrevem os sketches.
2. Dizer com tom jocoso é meio caminho andado para ter a porta aberta da "liberdade de expressão" sem ser processado, ou pelo menos quando se é processado, ser absolvido ao abrigo dessa mesma liberdade. O humor passa como rodopio mental que faz pensar e, indo directo ao assunto, acrescenta-lhe a blindagem cómica que lhe confere a dita imunidade. O humor é sem dúvida a criação mais inteligente do homem. É para mim óbvio que o humor é um expediente que serve para contornar certos obstáculos, e certamente choca e ofende muita gente, muitas das vezes até os comediantes são surpreendidos com as diversas reacções ao mais insuspeitos sketches.
3. Melhorar os relacionamentos entre as pessoas ? Não iria tão longe, o humor serve para divertir e para criticar. Se as pessoas pensarem no humor inteligente como uma arma ao serviço do melhoramento das relações humanas e do seu aperfeiçoamento através da supressão de defeitos e busca de qualidades, então sim, pode funcionar, mas ter isso como objectivo na sua criação parece-me pretensioso.
4. Parece-me evidente que sim, é deliberada.
5.Os humoristas tem tanto direito como o vizinho do lado, como se costuma dizer em inglês.
6. Sim, parece-me que gozam de um estatuto, apesar de tudo, pelo menos um degrau acima dos restantes, "não-humoristas", como disse em 2.
7. O Pinto da Costa e o José Sócrates acham que não é lá muito admissível. O primeiro processou o Ricardo Araújo Pereira e o segundo um cronista do DN. O primeiro já perdeu o processo, o segundo ainda está pendente, ao que sei. Mas tu fazes um generalização "impossível a saudável convivência entre as pessoas e que a vida já não pode fluir e perdeu o sentido" dás-lhe uma abrangência que não me parece ser muito real. A relação entre visado e humorista pode não ficar a melhor depois da sátira, mas no geral só a auto-estima e a veracidade das afirmações contrastadas com a capacidade de auto-crítica do visado pode ditar isso. Quem não sabe rir de próprio nunca vai lidar bem com as críticas, sejam elas humorísticas ou não, sejam verdadeiras ou falsas.
Quanto ao restante comentário, pois começo por me juntar aos que acham que os Gatos são geniais, mas isso quase que já me é dispensado, não fosse o personagem que eu corporizo baseado num sketch deles.
E claro, Gatos e outros humoristas contribuem sem dúvida para consciencializar a sociedade e seus protagonistas dos seus erros e vícios.
Quanto a Saramago, parece-me que ele tem toda a razão e mais alguma e também me parece que as reacções adversas que daí vieram não são nada do outro mundo porque já as esperava; quando se debate algo que não tem ponta de racionalidade, é quase inevitável entrar por um discurso mais emocional de parte a parte.
O problema central aqui parece-me ser o seguinte: as pessoas misturam o conceito de respeitar uma pessoa com respeitar o que ela pensa. E eu não me sinto nada confortável a respeitar o que uma pessoa pensa se o que ela pensa é para mim totalmente destituído de senso.
Eu posso entender e manifestar que determinada pessoa é para mim honrada, honesta, que cuida da sua família, é trabalhadora e cumpre com as suas obrigações legais e morais, mas posso também achar que determinadas filosofias de vida ou de entendimento do mundo são completamente disparatadas e sinto que por dizer isso me estou a colocar em maus lençóis porque a pessoa visada pode muito bem ter sido ensinada para não tolerar certo tipo de afirmações, mesmo que eu não esteja a colocar em causa a sua integridade física, estarei de certa forma a colocar em causa, na perspectiva do visado, os fundamentos da moral que sustentam a sua acção humana, e isso, por muito que esteja no campo das ideias, que não têm de provocar necessariamente qualquer alteração no mundo físico das pessoas, o visado não entende isso assim. E temos assim um problema de percepção complicadíssimo de gerir.
A visão que cada um tem do mundo pode ser, e infelizmente é, um enorme obstáculo a que as pessoas se entendam, ou pelo menos dialoguem. E isto tudo porque me parece que as pessoas levam determinados assuntos demasiado a sério quando eles não têm importância rigorosamente nenhuma para que continuemos vivos e a praticar boas acções. Eu posso achar que determinada filosofia de vida é um disparate, e outrém pode achar o mesmo da minha, mas isso não tem de implicar que eu deixe de falar e de negociar com essa pessoa. Nem muito menos justifica qualquer guerra. Mas também não somos obrigados a ser amigos e a partilhar intimidades. Cada um fica com a sua ideia, cada um segue o seu percurso, sem perturbar o percurso do outro, na medida das liberdades de cada um, num esforço de conciliação, que deve ser geral, a bem de todos.
Nunca teremos todos a pensar como nós; se os terroristas e outros ideólogos acham o contrário são obviamente idealistas que ainda não passaram essa fase e deviam pegar em vários livros de história para perceber a natureza humana e o trilho percorrido até agora.
14 de dezembro de 2009
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