14 de outubro de 2010

Curioso

O Governo do Chile foi eleito no início do ano e logo poucos meses depois depara-se com um acontecimento que podia ter sido uma tragédia, mas não foi. Foi um acontecimento notável, de grande solidariedade e determinação para que tudo corresse bem.

Um planeamento sério, rigoroso, inteligente, cuidado, que não poupou esforços e atenção ao pormenor, para que tudo corresse pelo melhor.

E correu, felizmente. Se não tivesse corrido, eu gostava de saber o que seria dito pela população, apesar de todos os esforços de todos, incluindo a notável resistência física e psicológica dos mineiros. Falta se sorte ? Deus afinal não quis ?

Regressar excusivamente à culpa de quem deixou a incúria imperar na mina ? - Claro, mas isso é algo que porém terá de ser feito sempre, porque tem de se julgar e condenar quem tiver culpa pelo sucedido.

É que no meio de psicólogos que estudaram a situação e deram aconselhamento; médicos que fizeram as avaliações necessárias - até ao pormenor de decidir a estratégia correcta do ponto de vista médico e psicológico para a ordem de saída dos mineiros da mina; dos profissionais da Nasa que foram ajudar com os seus conhecimentos; da Marinha que que construiu, fruto do seu saber e estudo das condições concretas, uma cápsula para resgatar os mineiros; da broca que veio de tecnologia para furar poços de petróleo; dos planos A, B e C, que estavam estudados para que tudo corresse pelo melhor, mesmo que acontecesse alguma coisa má, - dizia eu, no meio de todos os meios humanos dedicados à causa, colocando em prática o seu saber e experiência profissionais e técnicas, no meio dessas pessoas que trabalhavam para um resultado, havia aquelas que rezavam.

Sendo um país religioso, em que até o Presidente se socorre de Deus quando interessa, em que os mineiros e respectivas famílias também suponho terem na sua maioria alguma forma de religiosidade, parece que tal romaria e rezas na superfície da mina possam ter, especialmente em contacto com os mineiros - através do telefone ou videoconferência - um papel de esperança e apaziguador - uma almofada psicológica. Desse ponto de vista eu compreendo a utilidade - são pessoas que acreditam mutuamente na mesma coisa, portanto é capaz de funcionar. Mas não serve para os tirar de lá sãos e salvos. Nem chega para falar com eles. Os telefones, equipamento e cabos que levam o sinal de áudio e vídeo para a videoconferência foram inventados e produzidos por pessoas, sem as quais e o respectivo esforço e dedicação nada daquilo teria sido possível - nem sequer os encontrar passados 17 dias.

Curioso que no meio da religiosidade que seguiu em paralelo o trabalho de salvamento dos mineiros, o apelidado 34.º mineiro, o Ministro das Minas, uma pessoa com qualificações de facto para o exercício da pasta (ao contrário do que muitas vezes acontece por aqui) - é engenheiro civil industrial - que coordenou todo o projecto, é agnóstico e nunca teve militância política.


Notícia no jornal Público:

http://www.publico.pt/Mundo/laurence-golborne-ministro-das-minas-o-34º-heroi_1460877

1 comentário:

Guida Palhota disse...

Olá, Meireles!

Eu, que vivo um período da minha vida em que não acredito em nada nem em ninguém, encontro ensejo no teu texto para te revelar o quanto isso me retira capacidades para produzir com eficácia. Porque, logo à partida para qualquer projecto, sinto que não vale a pena. E juldo que se acreditasse que o mundo (o meu pequeno mundo) ficaria feliz (ainda que por um tempo breve) com o meu empenho, eu teria ânimo para me lançar em trabalhos vários, por complicados que fossem.
O que eu quero dizer é que a "almofada psicológica" de que falas, a qual se pode revestir de muitos e diferentes contornos, pode ser o principal motor para que, na generalidade ou em particular (pensando nos principais técnicos com competência científica para fazer funcionar uma qualquer máquina montada de emergência) pode ser o clique que faz vencer a inércia e mergulhar no projecto... porque se está de bem com a vida e se acredita que o sucesso da missão é importante para alguém.
E quanto à necessidade de manter alguém animado (como no caso dos mineiros), sejam rezas colectivas ou quaisquer outras formas de gerar correntes de espírito positivo, parece-me que está já provado que isso ajuda a não desanimar e a não desistir.
E expresso-te esta ideia com uma sensação no peito provocada pela falta de entusiasmo externo para que eu me empenhe para sair do meu buraco!

um beijo