6 de junho de 2010

Aderir a um clube de futebol nos tempos que correm

Não é novidade para quem segue este blogue (umas estóicas duas ou três pessoas) que não tenho especial simpatia por nenhum clube de futebol; não sou sócio nem adepto. Dito isto, já fui simpatizante do Sporting, na altura em que o Paulo Bento lá estava. E desde que ele se foi embora, regressei à minha condição de espectador algo atento de todo o futebol, sem especiais simpatias por ninguém.

A pessoa que mais gostava de futebol lá em casa era o meu avô, mas ele morreu cedo, na minha infância, e o meu pai, embora interessado nas artes futebolísticas, nunca demonstrou uma grande paixão por esta modalidade, nem clubismo de qualquer espécie. Não tenho por isso um passado que me influencie num ou noutro sentido.

Mas se o passado é importante, o presente também o é, e eu nunca abdico de pensar pela minha cabeça, ao ponto de cometer muitas asneiras na minha pretensa sabedoria (leia-se ignorância), mas sempre com o propósito de aprender mais.

Ora, não descontando os papéis da genética e da formação familiar inicial, posso afirmar que, observando o fenómeno do futebol, o que eu quero mesmo é assistir a bons jogos.

Coisa que, curiosamente, os clubes em Portugal quase sempre insistem em não nos providenciar. Ficamo-nos pelo produto de segunda categoria que é assistir a acaloradas discussões entre treinadores de bancada que acham que o árbitro é um gatuno (parece que os há) ou que, depois de terem visto o lance vinte vezes, de cinco ângulos diferentes e em câmara lenta no conforto da sua cadeira, não havia maneira de o árbitro não ter visto aquela falta (escandaloso!). Ah, e nos últimos tempos até tivemos direito a ouvir umas deliciosas escutas entre árbitros e dirigentes no Youtube, algo que, ao contrário da SportTV, até é um espectáculo gratuito, mas de igual qualidade...

Ora bem, para mim, espectador, o futebol devia ser um jogo. Sim, um jogo. Uma competição saudável e uma forma de passar os tempos livres. Algo que as pessoas não levassem como a razão da sua existência, nem mesmo ainda que apenas durante o jogo ou nos momentos após. Sabem aquelas pessoas que ficam com um melão depois de o seu clube perder ? Até isso me parece um pouco exagerado. Depois há os hooligans, nome estrangeiro pomposo que até nem lhes faz jus, mas que é uma benesse que lhes confiro, hoje que estou bem disposto.

Mas vamos ao que interessa: como pessoa que sou e não uma qualquer espécie de Deus, não faço a menor ideia do que vai na cabeça de um adepto. Não sei, principalmente, no que o faz ser adepto deste ou daquele clube, algo que não seja tradição familiar ou do grupo de amigos. No fundo, sinto-me uma mulher.

É que nos dias que correm, uma equipa tanto tem jogadores de uma nacionalidade como de outra, tanto são transferidos de uma equipa para a sua rival, tanto o treinador é desta como daquela ao atravessar da rua. Um presidente de um clube tanto é adepto como gestor, e hoje está aqui e amanhã está ali.

O que é que define na sua essência um clube de futebol ? As glórias passadas ? Mas porquê ? Os grandes nomes que estão associados a determinado clube ? Sim, parece-me razoável, mas chega ? É que eles não definem nada no clube. A proximidade geográfica (é o clube lá da terra) ? Sim, mas se tudo muda como disse há pouco, e apenas ficam os tijolos e o telhado, o que é que isso interessa, ou, melhor, significa ?

O que é que leva as pessoas a serem de um clube, a apaixonarem-se por uma abstracção volátil que ninguém sabe muito bem onde ancorar ? Será mesmo das tradições familiares ? "Olha, na minha família são todos benfiquistas, nasci e cresci a assistir com a minha família e a torcer por este clube, afeiçoei-me. Pronto." Pois, é bem capaz de ser isto, acima de tudo.

É assim uma espécie de homenagem inconsciente ao nosso desenvolvimento enquanto pessoas, à nossa família, àqueles que nos dizem algo, que nos são queridos, às quais vamos buscar pontos de referência para nos situarmos no mundo. Todos precisamos de uma certa segurança, de um cantinho com que nos identifiquemos.

O que eu lamento é quando nada disto é pensado, mas apenas automatizado. Por estranho que pareça, a emoção que se sente por um clube é aqui, neste exemplo, fruto de uma mecanização, enraizada desde criança. Não deve haver pior emoção do que uma que é mecanizada.

E se há coisa que eu gostava que não acontecesse é os pais dizerem com orgulho "O meu filho ainda não tinha nascido e já o tinha inscrito como sócio do clube". Uma coisa é vibrar com os jogos, levar os filhos ao futebol, e mostrar quais as equipas que existem e as diferentes modalidades, outra bem diferente é filiar mais um. Todos sabemos que isso não é justo para a formação das escolhas e distorce a concorrência! Além do que é perfeitamente dispensável. Ninguém precisa de futebol para viver. E no entanto era bom que se pudesse ter a 'máquina por formatar' quando pudermos fazer as nossas escolhas no que não é essencial.

Mas, dizia eu, se por um lado temos os laços afectivos/familiares que nos ligam a determinada opção, ainda que involuntária e inconsciente, por outro temos o mundo globalizado, com  liberdade de movimentos, e eu pergunto: esta ligação afectiva ainda faz sentido, mesmo para quem não pense muito no porque é que acredita ?

Qual é a ideia que um adepto do Chelsea tem ? O clube é detido por um russo, teve um treinador vindo de fora, português, que os levou a ganhar o campeonato pela primeira vez em 50 anos, com um plantel em que figuravam - ainda figuram - portugueses, ingleses, brasileiros, alemães. Depois os treinadores vão-se embora mais ano menos ano, chega outro, que imprime um estilo diferente, alguns jogadores são transferidos, até que às tantas são quase todos diferentes, e às tantas, o dono, que tanto tem um clube de futebol, como um iate de 30 metros, um dia pode passar o clube para outras mãos.

Que identidade há nisto ?


Eu percebo perfeitamente quando alguém me diz que é adepto do Manchester United: o Sir Alex Fergusson é treinador do clube desde 1986. Há uma linha condutora. O mesmo quando alguém me diz ser adepto do Futebol Clube do Porto, dirigido por Pinto da Costa desde 1982.

Em todos os outros clubes o sentimento de pertença acaba por desvanecer-se, digo eu.

Eu sei que se todos fossem como eu o mundo do futebol seria bem diferente, haveria um espírito mais construtivo, mais racional, e menos efusivamente alienado. O futebol seria como um jogo de ténis: civilizado, em que um bom jogo, com jogadores de boa técnica e bonita performance, seriam os principais pontos de atracção, muito mais do que saber de que lado se está.

Estou com certeza a delirar com outro país que não este. Mas se não se sonha não se constrói o presente nem o futuro.

O principal que eu queria aqui dizer, e que resulta do primeiro parágrafo, é que o que conta verdadeiramente é por um lado, o espectáculo, e por outro, as pessoas. O Paulo Bento é uma pessoa que pode não ter o brilhantismo do José Mourinho (mas também é mais novo), mas tem personalidade, diz o que pensa, e conseguiu logo no início da carreira resultados com uma equipa jovem e imatura, um orçamento muito inferior aos seus principais rivais e dando a cara em momentos que até nem devia ter sido ele a aguentar com isso. Gostei do Paulo Bento no Sporting, mas não gostei do Sporting sem o Paulo Bento. Quando o Paulo Bento treinar outra equipa, é bem possível que siga essa equipa. Assim como as pessoas que se revêm no estilo de Sir Alex Ferguson, ou de Pinto da Costa.

O que conta são as pessoas. As instituições são feitas de pessoas.

E se há maior prova de que o que conta são as pessoas, o José Mourinho está aí para o provar cada vez mais. Parecendo que não, o José Mourinho trouxe e está a trazer ao futebol mais do que uma revolução. Mas isso dava (e vai dar) outro post.

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