21 de junho de 2010

Duas respostas para questões sem resposta

Rute e Guida , respondo-vos em forma de post aos vossos comentários ao último texto.

Rute, quando dizes "Não sei se concordo contigo quando disses que as pessoas precisam de acreditar em Deus, como se essa necessidade fosse universal! Penso que não, há pessoas que não acreditam, não querem, nem precisam de acreditar.",

atenta que eu disse, e cito: "Talvez um dia também consigamos demonstrar cientificamente a teoria social do porquê muitas pessoas sentirem a necessidade de acreditar em Deus (...)" e no parágrafo seguinte: "(...) mesmo para alguns desses continua a fazer sentido a crença numa entidade superior (...)"

Estamos portanto, de acordo! Além do que a primeira frase minha que eu citei, incorpora em si uma questão, que é a de saber até que ponto a teoria social é válida. Será que temos essa necessidade (os que a têm, claro!) ou ela é-nos incutida e passada de geração em geração ?


Já porém quando dizes que "As divindades variam, alteram-se, mudam de nome consoante as épocas e as culturas. Mas isso é irrelevante, o Deus é sempre o mesmo, independentemente do nome que lhe dão.",

já não estamos; esta discussão dava pano para mangas, mas aqui não é o lugar certo. Todavia penso que concordarás comigo que a percepção que se possa ter do que dizes varia muito de época para época. Na mitologia grega, entre Deuses e o rei dos Deuses e os Titãs, não sei bem em que medida é que haverá nessa época a percepção de um único Deus.


Quando dizes "Não acredito que o Mundo e o Ser Humano tenham surgido por acaso." demonstras que todos (e aqui é mesmo todos, ou quase todos os que têm curiosidade) temos a necessidade de procurar respostas, porque ficar quietos num universo em movimento é essencialmente morrer.

Agora isso é uma coisa, outra é acreditar que exista um motivo, uma razão. E isso são conceitos muito humanos, que nós não sabemos se mais alguém poderia ter inventado. Ninguém sabe se há motivo ou deixa de haver. E não penso, pessoalmente, que haja razão ou motivos para sermos infelizes, se um dia descobrirmos que "acontecemos", no passado e no presente, por acaso.

Todos nós temos um certo "horror ao vácuo", e a tua demonstração de que por vezes sentes Deus, é sinónimo disso. Mas há formas e formas de preencher o vazio. Além disso, tudo o que acontece na vida é sujeito à nossa interpretação, e tu podes interpretar os diversos acontecimentos como bem entenderes, ou melhor dito, como puderes. Para ti, uma sequência de acontecimentos felizes - "com a força das pessoas, quando supostamente já deveriam ter sucumbido, na alegria no meio de grandes dificuldades, nos "Anjos da Guarda" que nos vão aparecendo durante a vida" - que te faz "sentir" e de certa forma acreditar numa entidades dessas, contradiz o que disseste antes sobre o não acreditares que Deus possa interferir na nossa vida:

"(...) Purgatório na "mão" de Deus na vida de cada um, no destino traçado por Ele. A ser assim, teríamos um Pai extremamente injusto e cheio de preferências por alguns dos seus filhos. A ser assim, seria um Deus cruel, desumano e sádico."

É que, como dizia, a sequência feliz de acontecimentos que o é para ti, já para quem está ali ao teu lado ou a quilómetros de distância, pode ser uma tragédia, desencadeada pelos mesmos factores que a ti te fazem feliz. Uma pessoa amiga que é salva de um Tsunami pode ser encarado como uma ajuda de Deus, um ""Anjos da Guarda" que nos vão aparecendo durante a vida", como tu dizes, mas que, a ser verdade, revelaria por parte de Deus, uma estranha forma de intervenção de cortesia, em pequenas quantidades, como quem pode mais, mas não quer, e que, no essencial, ao revelar actuar aqui, mas não ali, deixando muitas pessoas morrer nesse mesmo Tsunami, uma aparente injustiça. E digo "aparente" porque até pode ter bons motivos (se os houver), mas serão muitas vezes insondáveis. E depois nós podemos interpretar como quisermos, como é costume.

Mas, acima de tudo, é a noção de que o que nos acontece é de alguma forma apadrinhado por uma entidade superior, como se as coisas acontecessem, de certa forma a 'pensar' em nós. Há, no meu entender uma certa dose de egoísmo nesta forma de pensar.


Dir-me-às que sou arrogante por falar assim, e estás no teu pleno direito, mas eu penso que, no caminho da busca de algo que nos permita preencher o vazio que quase todos sentiremos, uma boa dose de humildade, de que poderemos inclusive ter de nos conformarmos por, um dia, eventualmente, quando a vida humana acabar, chegarmos a esse fim sem as respostas que procuramos. É que parecendo que não, a ignorância das respostas que eu penso levar à necessidade humana de acreditar que há algo mais que explica tudo isto, também comporta uma dose, ainda que admita que inconsciente, de arrogância, por querer pretender ter chegado à resposta, aparentemente final (para quem assim acredita), sem para isso ter trabalhado assim tanto. Todas as respostas científicas que temos hoje são, por outro lado, fruto de muito trabalho, e são, feliz ou infelizmente, incompletas.

A ignorância é daquelas coisas que é ilimitada, e o conhecimento anda sempre um passo atrás, no seu encalço.




Guida:



Venho do teu texto, pois! Já me apetecia escrever algo sobre esta temática, aliás, até já tinha escrito, mas nunca publicado. É muito difícil escrever sobre este tema, porque há sempre muitas emoções a pairar tanto de quem escreve e de quem lê e é difícil encontrar um registo, uma abordagem que me satisfaça. O teu texto, aliado ao que já queria ter dito há muito tempo sobre o episódio do Felipe Massa, que é apenas mais um de muitos, mas que tem mais projecção mediática, serviu-me de inspiração para escrever esta reflexão.

O Felipe Massa acredita que conhece Deus, de certa forma, ainda que incompleta, porque foi isso que lhe ensinaram; tivesse nascido noutra região do mundo e conheceria o Deus ou Deuses de forma diferente, com "vozes", ditos, ensinamentos e costumes diferentes. Em boa medida é assim. Claro que há excepções, mas é difícil desprender-mo-nos do sistema no qual nos habituámos e nos habituaram a viver. É como te dizerem para desaprenderes a falar português. Mesmo que tu saibas falar outra língua, é algo que não faz sentido para ti. Tu sabes, tu comunicas com os outros nessa língua, formas laços, crias ligações afectivas duradouras, hábitos e ritmos sociais que podes até não questionar e que te fazem falta no preencher do vazio, do vácuo que referi acima, mas também porque como matiz é difícil substituí-la.

Quanto ao destino que tu acreditas que temos marcado, eu não sei. Essencialmente porque, na génese do problema como eu o encaro, não sei sequer se há motivo para existirmos ou se pura e simplesmente existimos. E devolvo-te uma questão quanto ao destino: tu acreditas porque pensas ou pensas porque acreditas ?

Concordo em absoluto quando dizes "E essa vontade de agradecimento é um sentimento de proximidade e de amor aos outros." É é por isso que eu critico o Felipe Massa e todos os outros que deviam agradecer a todos os que por cá andam e andaram e tiveram influência no facto de ele ainda cá estar, de boa saúde, depois do acidente. Fazer uma lista dá trabalho, pois dá, é muito mais fácil fazer um "wrap it all up and thank God" Temos sempre a quem agradecer. É só procurarmos, nem que seja de um modo um pouco mais genérico se tivermos falta de tempo. Agora agradecer a Deus é, no meu entender, sintoma de uma estranha e injustificável falta de tempo.

"Tu não te sentes incompleto?"

- Não. E sim. Mas não é por isso que me sinto ou deixo de sentir feliz. Se me sinto vazio por não saber de onde venho, para onde vou, como existo e se há um porquê de existir ? Não propriamente. Sinto curiosidade, mas também sei que provavelmente nunca vou saber as respostas. Já saber colocar a pergunta é magnífico. Depois do momento aterrador inicial e de momentos aqui e ali em que me recoloco estas perguntas e filosofo, a vida continua e a busca de respostas em outros domínios, porque há tanta coisa para descobrir e para saber, não me deixam tempo para ficar a contemplar o vazio preenchido por algo que eu não consigo demonstrar. É óptimo sabermos colocar a possibilidade em cima da mesa como auxiliar de raciocínio e contraposição, mas acreditar, porque sim, sem qualquer prova ?

Não sei se, como dizes, somos de facto completos embora pensemos o contrário porque ainda não chegámos ao profundo de nós mesmos para sentir a existência e assim apurarmos a mecânica, o fluir e o sentido da nossa existência. Podemos até ser incompletos, como dizia há pouco. Porque esse facto por si só não impede nada, antes pelo contrário, impele-nos para a frente, para procurarmos respostas. Mesmo que nunca as encontremos. E assim ficaremos de facto para sempre incompletos. E até cientes disso, sem que contudo isso afecte seja o que for. Não temos necessidade de ser completos. Temos sim, de procurar cada vez mais respostas.

"Existir é uma real trabalheira e é muito mais fácil atribuir tudo ao Deus conhecido do que procurar respostas... Sempre foi assim, por mais polémica que seja esta ideia!"

Remate quase perfeito. Só lhe acrescento ao Deus conhecido, o teu Deus desconhecido. No fundo, 'é' tudo o mesmo.

2 comentários:

Guida Palhota disse...

Eu sei que nunca mais disse nada.
Hoje venho só dizer que tenho saudades de ti.

Aníbal Meireles disse...

Idem aspas aspas!